Wednesday, January 31, 2007

Vivendo pelo café, morrendo com estilo ( Parte 1).

Encontraram-se depois de um bom tempo sem contato algum, em um café nas redondezas da avenida paulista. Lugar onde os pós-modernos precários, artistas frustrados, pseudo-intelectuais de orelha de livro, vadios travestidos de boêmios de forma saudosista e putas, muitas putas; se escondem.
Se olharam fixamente, como se estivessem um procurando no outro o que deixaram para trás naquela noite. Ele andou ao redor dela, como um cão que avista e tenta identificar um outro ser da mesma espécie, parou em frente à ela e esboçou um sorriso. Como sempre ela foi mais rápida, sorriu primeiro e disse:

- Está orgulhoso de mim? De como eu estou superando a fase "você"?
- E porque eu deveria estar?
- É verdade, isto não deve fazer bem ao seu ego, não é mesmo?
- Pouco me importa.
- Sei...sei...E como você está?
- Vivendo num eterno final de semana.
- Isso é bom!
- Depende, depende muito.
- Depende do que oras? Final de semana, ócio, vida, você vivia fazendo apologia à isso.
- O importante não é ter vida, e sim a forma como se conduz essa vida. E você sabe como todo término de final de semana é melancólico né! Domingos a noite são sempre trágicos.

A garçonete os interrompeu perguntando sobre os pedidos. Ele pediu um café com creme e ela pediu um leite gelado com chocolate.

- Você ainda toma muito café? disse ela.
- Sim, sim. Vivendo pelo café, morrendo com estilo.
- Esse é o seu slogan? Ridículo!
- Eu sou ridículo, vivo de forma ridícula, odeio de forma ridícula e amo tudo isso mais ridículamente ainda.
- Isto é uma introdução "aquele" assunto?
- Porra nenhuma, assunto morto e enterrado.
- Afinal de contas, porque me chamou aqui então?
- Na verdade não sei, queria te ver só isso.
- Só isso?
- Você pergunta demais e vive de menos.
- O que você espera? O que você quer? Fala em viver, viver, mas não faz nada pela sua vida.
- E o seu namorado como está?
- Não muda de assunto.
- Me disseram que ele é um idiota.
- Todos os homens são idiotas pra você, exceto você mesmo, não é?
- A mais pura verdade. Narciso acha feio aquilo que não é espelho.

A garçonete os interrompeu novamente, trazendo os pedidos.

- E o seu namorado?
- Está obcecado nele hein! Essa sua velha mania de se comparar com os outros...
- Sempre no comparamos, eu, você, qualquer um. Queremos nos sobressair no meio da multidão. Olhamos os outros, observamos e vemos o quanto somos melhores e o quanto somos piores.
- Então você quer ser o melhor?
- E você não? Quero ser o melhor que eu puder ser, e sei que posso ser.
- Acho que somos todos iguais.
- Pronto! lá vem você com esse seu papo neo-humanista!
- É sério, não quero ser melhor que ninguém, quero apenas ser eu mesma.
- E você sabe quem você é?
- Tento me descobrir a cada dia.
- E se você se descobrir um lixo?
- Isso não vai acontecer.
- Como você pode ter tanta certeza?

Ela parou, deu uma golada no chocolate e disse:

- Olha, não tenho certeza de nada, mas sei que não sou um lixo!
- Você é melhor que isso né?
- Claro, claro que sim.
- Você é melhor que aquela menina sentada na mesa do canto, usando óculos vermelhos, vestido preto, sapato preto e branco e lendo a revista cultural da moda?
- Não sei, não conheço ela. Mas acredito que sejamos iguais.
- Iguais onde? Você acabou de dizer que nem a conhece. Mas a sua primeira impressão a respeito dela eu sei que não foi boa. Você sempre odiou sapatos bicolores. Você nunca usaria aquele sapato, acha brega, você não é brega, você tem estilo é diferente!
- Isso é verdade, mas não quer dizer que eu me ache melhor que ela.
- Como não, acabei de simular todo um julgamento a respeito de uma pessoa, tomando como ponto de partida o sapato que ela está usando e você concordou.
- Mas é uma questão de gosto pessoal.
- Não, não é. Para você achar ela brega, obrigatoriamente você está usando uma pessoa não-brega como referência, no caso você mesma, isso já faz de você um pouco melhor.
- Puta papo chato! Você não se contenta em simplificar as coisas né?
- Você sempre me achou chato. Disse ele.
- Pretencioso também.
- E arrogante.
- Mal educado!
- Ainda te amo!

A cidade para. Um silêncio profundo toma as ruas. O café esfria.

(Continua...)

2 comments:

Mike said...

Humm gosteei !!

Quero a continuação !!

hehehehe

Caio said...

Muito, muito, muito, muito bom! Na verdade está foda, cara seus diálogos sâo sensacionais!!!!!

Espero por uma reunião do "conselho que tudo pode, que tudo vê e que tudo faz"!!!

abraço