Wednesday, March 08, 2006

We accept you, one of us!
O pesadelo estético e o espetáculo do capital.
(Givago Oliveira & Viny Rodrigues)


O anão Hans se apaixona por bela trapezista de circo que, ao saber que ele herdou uma fortuna, planeja, com o amante Hercules, se apossar da sua herança. Fingindo corresponder ao amor de Hans, ela se casa com ele e tenta envenená-lo. Ao saber do plano criminoso, os amigos de Hans, figuras grotescas do circo, os "monstros" do título, decidem vingá-lo. A trama toda ocorre num circo. Desta vez, Browning (que dirigiu o clássico Drácula, com Bela Lugosi), trata do grotesco e do preconceito para com homens e mulheres com aberrações físicas, verdadeiros fenômenos circenses, objeto da curiosidade e pavor do publico. O horror de Freaks é o horror do humano grotesco, da figura aberrante e deformada. Mas o curioso é que, no filme, são tais figuras grotescas que expressam laços de sociabilidade e de valor humanos. Os supostos homens "normais", como a trapezista e seu amante, exemplos de beleza e força física, representam, por outro lado, a degradação de caráter humano, imersos em trapaças e preconceitos contra o diferente e o anormal. Na verdade, no mundo do capital, o normal é que se torna verdadeiramente grotesco. Produzido em 1932, em plena depressão capitalista, com seus milhões de desempregados nos EUA, e no auge do furor fascista na civilizada Europa ocidental, Freaks parece utilizar o grotesco como critica da sociabilidade estranhada do mundo burguês.
Durante as bodas de Hans e Cleopatra, os freaks aceitam a introdução da noiva normal em seu círculo através de um ritual, fazendo passar uma taça de champanhe da qual todos têm de beber misturando suas salivas e gritando: "Uma de nós! Uma de nós!". Contudo, a noiva só lhes tem horror, e os humilha beijando Hercules e não Hans, quebrando a taça que o anão leva de pé sobre a mesa até sua boca: ela abandona a festa gritando todo o nojo que sente daquelas "aberrações". Os freaks começam, então, a suspeitar das intenções casamenteiras de Cleopatra. E quando Hans mostra sintomas de envenenamento, eles passam a vigiar as barracas de Cleopatra e de Hercules, seguindo os passos deles, descobrindo seus planos e preparando uma vingança brutal, desencadeada de maneira assustadora durante uma noite de tempestade.

Se situarmos Freaks na organização social do mundo pós-moderno, podemos interpretá-lo como uma crítica clara ao modo de produção capitalista e ao modo como as relações sociais se desenvolvem nesse espetáculo. Se no mundo capitalista, o qualitativo é substituido pelo quantitativo, e o valor de uso pelo valor de troca, e toda a mediação das relações é feita através do mercado que tudo coisifica. No filme podemos identificar o qualitativo com as aberrações humanas que apesar de suas deformidades, eram os únicos que de alguma forma se relacionavam através do que podemos chamar de "valor de uso humano" ou seja, dando importância ao valor real do outro. Os personagens normais, aqueles sem deformações físicas, seriam o nosso quantitativo, nosso "valor de troca humano", aqueles cujo o ter é mais importante do que o ser, e que a normalidade serve de máscara para a moral torpe e deturpada, são aqueles que coisificam o anão Hans e o transformam apenas em mercadoria para a acumulação de capital. Freaks é uma analogia sobre o mundo invertido que estava em constante construção desde o fim da sociedade feudal. Nada mais inteligente do que situar a história em um circo de horrores, pois o que o desenvolver do capitalismo, até os dias de hoje, nos mostra sua fase mais cruel e ao mesmo tempo sofisticada. O espetáculo no qual a lógica da mercadoria está inserida em quaisquer tipos de relações e a ecônomia se tornou algo auto-suficiente, que rege a nossa vida.
Freaks é sem dúvida um filme atual que deve ser assistido e pensado tanto do ponto de vista natural, quanto do ponto de vista histórico social.

Wednesday, March 01, 2006


Autonomia.
Cartola

É impossível nesta primavera, eu sei.
Impossível, pois longe estarei.
Mas pensando em nosso amor, amor sincero.
Ai! se eu tivesse autonomia.
Se eu pudesse gritaria.
Não vou, não quero.
Escravizaram assim um pobre coração.
É necessário a nova abolição.
Pra trazer de volta a minha liberdade.
Se eu pudesse gritaria, amor.
Se eu pudesse brigaria, amor.
Não vou, não quero.

(Poucos homens entenderam tão bem e de forma tão simples, a cruel realidade do mundo)