Wednesday, July 18, 2007

Comentários sobre o texto:


As lutas sociais e a cidade – São Paulo: Passado e Presente.

Capítulo 3. – São Paulo, início da industrialização: o espaço e a política.
Por: Viny Rodrigues


O texto faz uma analise histórica, política e sociológica a respeito dos conflitos urbanos ocorridos em São Paulo, no final do século XIX e inicio do século XX, mostrando o expansionismo da lógica capitalista de organização da cidade, que resultou na constituição do que hoje chamamos de periferias[1].

A cidade de São Paulo se torna o pólo da produção de mercadorias e do comércio, a partir do momento em que se inicia a transição do modelo de produção com mão de obra escrava, para o modelo de produção com mão de obra assalariada. O reflexo desta transição se deu de várias formas: econômica, político institucional, social, etc. Mas a autora faz a sua analise partindo do ponto de vista da crise do espaço urbano, mapeando desta forma a constituição de uma nova ordem social.

Na relação, escravo – proprietário, onde a dominação se dava de forma clara e os limites entre as duas classes eram muito bem definidas, o escravo era visto como propriedade do senhor dono das terras, sendo assim, este era responsável por manter a sua “máquina” de produção funcionando. Para isto, era necessário manter este corpo-máquina com uma dose mínima de alimentação, tentar livrá-los de doenças e fornecer a eles uma forma de moradia. O escravo morava na fazenda do senhor, e não se caracterizava como um indivíduo, só conseguindo alcançar este status, quando se tornava membro de um quilombo ou quando conseguia comprar sua carta de alforria.

Com a abolição, os escravos foram jogados a sua própria sorte. A partir daí, surgiu à necessidade de se utilizar mão de obra assalariada, o trabalhador livre. Mas o trabalhador livre, até então era uma minoria nas cidades, então foi preciso construir este arquétipo fisicamente e ideologicamente. Se não era mais possível – fazer trabalhar – com a força da chibata, a nova ordem deveria se encarregar de produzir este trabalhador que tivesse somente a sua força de trabalho para ser vendida. Nem o caipira (considerado preguiçoso), nem o negro ex-escravo se transformaram imediatamente neste novo trabalhado livre. Sendo assim, os fazendeiros contrataram o imigrante europeu, pois as políticas da época eram vantajosas neste sentido. O governo da província pagava as passagens destes imigrantes. Por outro lado à idéia de se utilizar mão de obra “civilizada” atraia muito os fazendeiros, pois não era possível romper repentinamente com a carga ético-política da escravidão. Neste contexto, o embate entre “barbárie versus civilização” ainda se fazia presente na elite dominante da Primeira República (1889 – 1930).

Neste contexto, pela primeira vez no Brasil, a grande maioria dos trabalhadores (agora assalariados), passa a não mais habitar a propriedade do patrão. A nova ordem social implica numa re-definição do espaço social muito bem delimitada, onde cada classe sabe onde pode e onde não pode transitar. Os trabalhadores são empurrados para as para as margens das ferrovias, onde a maioria das fábricas se concentrava, e os seus bairros eram geralmente constituídos de inúmeros cortiços, zonas pantanosas e inundáveis, quase sempre com esgoto a céu aberto em uma paisagem que se contaminava também com as chaminés das fábricas. Enquanto os patrões habitavam as colinas arborizadas, em alamedas retilíneas e palacetes bem construídos.

Uma das diferenças mais significativas nestes dois universos, era a forma como os moradores se relacionavam com o espaço público. Nas zonas pobres, a maioria dos espaços eram públicos ou semipúblicos, botequins, campos de futebol e a própria distribuição espacial dos cortiços, que geralmente eram constituídos de cômodos-leitos, banheiros e tanques de lavar roupa para o uso de todos os moradores, e um corredor ou pátio central. Por outro lado, Nas áreas ricas, os cômodos eram devidamente separados e funcionalmente organizados, não há muitas áreas de convivência coletiva e as mansões se fecham em muros e grades separam a íntima vida social. Este processo de separação e diferenciação de cada bairro faz com que estes bairros tornem-se mais do que lugares no espaço da cidade, eles assumem as características dos grupos sociais que os ocupam e se identificam com eles. É como um efeito psicogeográfico, onde as características de um lugar organizado conscientemente ou não influenciam diretamente sobre o comportamento dos indivíduos que o habitam.

Todas estas transformações visavam estabelecer uma ordem dominante no contexto urbano-social, e se esta ordem se tornasse homogênea isto de certo modo garantiria a reprodução do modelo político, social e econômico vigente. Mas a forma de organização dos bairros proletários se contrapunha diretamente a está ordem, pois produzia outras formas de sociabilidade que valorizavam muito mais o espaço público do que o espaço privado e misturavam praticadas sociais distintas com a mistura de negros e imigrantes europeus (na maioria italianos, espanhóis e portugueses). O poder urbano por sua vez tentava reprimir ou transformar tudo que se diferenciasse da ordem social vigente, a ordem da classe dominante. A homogeneidade absoluta desta ordem era favorável à manutenção deste poder dominante, portanto tudo aquilo que diferia desta era considerado desvio e transformava-se imediatamente em objeto de intervenção. Esta intervenção se dá através de um discurso que estabelece o modelo ideal de cidade e cidadão, e através de intervenções diretas na vida destes cidadãos. Faz-se presente uma construção e estigmatização de determinados grupos sociais e estes passaram a ser considerados não adequados e conseqüentemente suas ações passaram a ser reprovada e assim se dá à eficácia do discurso. Um discurso de construção da anormalidade, que se assemelha muito com as idéias do filósofo francês Michel Foucault, onde há a consolidação de uma complexa rede de instituições de controle, e de mecanismos de vigilância, de papéis e exigências sociais que para manter o bom funcionamento da ordem vigente, constrói uma figura monstro-humano ou anormal, que precisa ser devidamente encarcerada e disciplinada. Foucault em sua analise desvela a formação do conceito de anormalidade decalcado na criança, e que por isso, foi alvo da educação e da tutela do Estado. Está idéia de Foucault, reflete também em outras parcelas sociais, e como vimos acima à disputa urbana do inicio do século XX, carrega alguns de seus reflexos.

Uma das formas de se combater os cortiços, eram as chamadas “vilas higiênicas”, que eram vilas que se diferenciavam dos cortiços por conter no interior de cada unidade as áreas de cozinhar, lavar, banhar e defecar. E cada habitação possuía mais de um cômodo contendo mais separações que o cortiço.
Os habitantes das vilas, não se diferenciavam em muito dos habitantes dos cortiços, eles também eram trabalhadores das fábricas, mas a partir da construção deste novo tipo de habitação, nasce uma separação ideológica entre estes morados, os “cortiçados” e “moradores de vila”. Os cortiçados passam a ser caracterizados como “perigosos marginais”, enquanto os moradores de vila, são chamados de “pobres trabalhadores”. De um lado a miséria perigosa, baderneira, ilegal; do outro a miséria útil, explorada e permitida. As vilas eram totalmente submetidas ao tempo-trabalho, pois na maioria das vezes, eram construídas nos arredores das fábricas, portanto, a mesma disciplina da fábrica, vale para a vida privada.

A partir daí, inicia-se o processo de remodelação da cidade, onde proprietários, interessados na valorização de algumas regiões, juntamente com ações de especulação imobiliária. São construídas pontes, viadutos e praças redesenhando completamente alguns setores da cidade.

Neste embate entre as populações de cortiços, vilas, e a burguesia dos palacetes era o terreno fértil para o aparecimento das idéias anarquistas em contraposição as políticas sanitárias que visavam controlar os cortiços, contra a propriedade privada e os aluguéis, as péssimas condições de trabalho, entre outras reivindicações. Mesmo dentro dos movimentos sociais de direito a moradia e direito à cidade, existiam diferenças de idéias e métodos. Enquanto de um lado tínhamos os anarquistas, geralmente imigrantes italianos ou espanhóis, juntamente com o que a autora chama de ralé, que eram aqueles que não moravam nas vilas, em sua maioria ex-escravos que não haviam conseguido se inserir no mercado de trabalho e foram jogados a marginalidade, utilizavam-se da agitação nas ruas, que muitas vezes chegavam a picos de violência; como método reivindicatório. Dentro deste mesmo movimento haviam outros mais moderados, que haviam conseguido alguma pequena propriedade trabalhando nas fábricas, e tinham como objetivo a inserção no sistema e não a sua destruição. Muitos tinham a intenção de organizar o movimento em partidos políticos ou sindicatos.

Através deste breve comentário sobre o texto, podemos traçar a história do surgimento da periferia nas grandes metrópoles como São Paulo, principalmente porque este conflito e estas contradições sociais ainda se fazem presentes hoje. A cultura dos cortiços deixou suas marcas nas favelas, e mesmo em escala menor, os cortiços se fazem presentes nas grandes cidades. Portanto a luta pelo espaço, é mais atual do que nunca hoje.


[1] Atualmente, a idéia de periferia está diretamente ligada às favelas e conjuntos habitacionais construídos pela prefeitura ou pelo governo do Estado de São Paulo.

Wednesday, July 11, 2007

Alguns questionamentos acerca da peça "Um inimigo do povo".

Por: Viny Rodrigues

Dr. Stockmann é um médico de uma cidade provinciana, cuja maior fonte de riqueza economica são as águas usadas para banhos medicinais. Após algumas analises, Dr. Stockmann descobre que as águas estão contaminadas e que os usuários correm perigo de adoecer se continuarem banhando-se nestas águas, então o médico revela a sua descoberta para o prefeito da cidade, que é seu irmão e posteriormente a imprensa local, formada por amigos da família Stockmann também descobre a situação das águas medicinais. A única contraposição a descoberta, e ao pedido de interdição das águas por parte de Dr. Stockmann, é feita pelo prefeito da cidade que se utiliza de uma argumentação que aparentemente leva em consideração as bases economicas que sustentam a cidade, mas que na verdade, se realiza como um discurso de manutenção do poder político e do compromisso com as elites locais, estas detentoras dos direitos sob as águas.
A imprensa que a primeiramente apoiava a descoberta do Dr. Stockmann, mas por pura conveniência, pois tinha interesses políticos por trás deste apoio, tendo em vista que, grande parte dos membros do jornal eram apologistas do partido de oposição do atual prefeito; se volta contra o médico quando é feita uma aliança com o atual prefeito, onde este promete cargos públicos para os principais membros do jornal.
A partir daí é feita toda uma campanha contrária ao Dr. Stockmann, que se torna "Um inimigo do povo" e passa a ser perseguido pelos habitantes daquela cidade.
É neste campo que se dá o conflito moral e ético dos personagens, onde as contradições humanas são levadas a limites, onde há a luta de um só homem honesto detentor da verdade, contra uma sociedade corrompida, mesquinha e emburrecida pela mídia. Stockmann descobre que o homem mais forte do mundo, é aquele que esta sozinho, o que nos remete à Schopenhauer que dizia que, "quem tem de produzir o bom e o autêntico e evitar o ruim tem de desafiar o juízo das massas e de seus porta-vozes e, portanto, desprezá-los".
Óbviamente que o Dr. Stockmann está localizado na peça como "o defensor dos pobres" ou "o defensor da verdade", o que cínicamente é real. Digo cínicamente pois, devemos ressaltar que ele também é o arquétipo do sujeito burguês do século XIX. Este por sua vez, portador de uma ética individualista e que caminha a "direita" do bem coletivo, quando este significa o seu próprio bem. Stockmann seria uma espécie de Dom Quixote burguês.
Talvez nos caiba aqui alguns questionamentos, será que Stockmann realmente estava preocupado em livrar a cidade do "sepulcro envenenado" que o balneário havia se tornado? Será que ele realmente acreditava que o fechamento do estabelecimento seria o melhor para a cidade? Ou será que a posição de médico da cidade e consultor técnico da prefeitura, o colocara numa situação díficil, quando os cidadãos começassem a adoecer e descobrissem que a prefeitura da cidade tinha conhecimento da poluição das águas e mesmo assim permitiu que os banhistas continuassem utilizando o balneário? Transportando estas questões para a atualidade, podemos sintetizá-las da seguinte forma: Como o Estado pensa o bem coletivo e como os cidadãos interpretam e se opõe quando necessário, as decisões do Estado?
Outro ponto importante a ser lembrado é o papel fundamental da imprensa, na construção da verdade. Toda a manipulação midiática que transformar o quixotesco Dr. Stockmann em um inimigo do povo, nos mostra a importância destas formas de comunicação e também nos mostra que quem tem a mídia nas mãos tem o poder. Cabe aqui outra pergunta: Quem tem as mídias nas mãos hoje?
Enquanto no século XIX a informação só era possível via jornal escrito, hoje temos diversos meios de comunicação, vivemos na era da informação que por sua vez esmaga o conhecimento. É possível perceber a força midiática na sociedade moderna, quando nos deparamos com os pleitos políticos que elegem nossos "representantes", onde uma torre de babel midiática é montada e o mais importante é a propaganda, um bom político está sempre no ar, seja ja televisão, no rádio, ou na internet; está última por sua vez uma terra sem lei, já que não existe ainda legislação eleitoral específica para a utilização da internet.
Por mais que o Dr. Stockmann seja o sujeito burguês idealizado pelo não menos burguês e liberal Henrik Ibsen, ele ainda assim se opõe veementemente à verdade estabelecida de forma invertida; como diria Debord "No mundo invertido a verdade é um momento do que é falso". Ele não sucumbe nem a corrupção, e nem a pressão externa por parte de seus conterrâneos. Sem o apoio da mídia e sem poder financeiro algum ele continua lá, firme em suas convicções.
A modernidade construiu o sujeito burguês e a pós-modernidade (se é que ela existe) destruiu. Se não é mais possível encontrar a convicção de idéias dentre a burguesia pós-moderna, o que diremos então das classes menos favorecidas da sociedade que tem como prioridade a sobrevivência?
Será que alguma forma de Dr. Stockmann ainda é possível?