Friday, February 10, 2006

Por um materialismo iconoclasta.

Viny:
Nunca entendi direito o que você quer dizer com:
Por um Materialismo Iconoclasta.
O materialismo em si já não é iconoclasta? Só o fato dele ser uma leitura crítica do real, já não o faz iconoclasta?

Cláudio R. Duarte (Militante Imáginário):
Viny,
Minha idéia de iconoclastia, de "destruir imagens", é a de triturar nossos ídolos, tudo que se cristaliza alienadamente em imagem e que se volta fantasmaticamente contra nós mesmos. Mas isso não quer dizer o fim da imaginação. Ao contrário. Na sua cruzada contra o espírito, a especulação, a imaginação, o materialismo foi sempre tributário do que meramente existe (daí por exemplo a "teoria do reflexo" do marxismo, da teoria como pura e perfeita cópia "objetiva" do real). O "realismo socialista", por exemplo, é essa forma de materialismo na estética, que erigiu a realidade existente em dogma a ser respeitado, através da sua cópia ostensiva, onde já não havia lugar para efeitos de estranhamento ou para a criação de um outro mundo. A idéia de um materialismo iconoclasta então seria "dialética", no sentido que almeja "estilhaçar" as imagens do real existente, que residem lá no fundo de nossa mente, em nosso modo de vida burguês, e que nos dão segurança de que esta é a única forma de vida possível. Mas para destruir isso tem de colocar a imaginação num outro patamar, o da procura do possível no interior do existente; não para erigir mundos utópicos, mas para jogar luz sobre a realidade supostamente monolítica e sem alternativas. A idéia do materialismo iconoclasta me veio do livro "Dialética Negativa" de Adorno. Uma das seções do capítulo "Categorias" é chamada precisamente "materialismo sem imagens".

Wednesday, February 01, 2006

Deus deve estar...deixa pra lá.

- Olá, qual o seu nome
- Dani.
- Daniel ou Daniela?
- É óbvio que é Daniela, não está vendo, sou uma menina.
- Mas é sempre bom confirmar né.
- Ok, Ok. Mas me diz, qual o seu nome?
- Carlos e eu sou homem.
- Isso eu já vi e não quero confirmar nada.
- Mas me diz o que você faz da vida?
- Eu estudo e trabalho e você?
- Por enquanto faço cursos. Todo mundo que está desempregado adora dizer que faz cursos. Mas você estuda o que?
- Faço faculdade de artes cênicas.
- E trabalha como atriz?
- Não. Trabalho em uma farmácia.
- Farmácia! Que legal, adoro cheiro de farmácia.
- Hum?
- Acho que na verdade gosto do cheiro de esparadrapo.
- Não vou nem perguntar porque. Você é esquisito.
- Esquisito? Só porque eu estou tentando superar minha timidez excessiva sendo sincero? Eu nunca faço os primeiros movimentos, pois devido a minha timidez, sempre me pego em situações embaraçosas e um tanto traumáticas.
- Nossa! Você tem respostas muito amargas. O que aconteceu, você está nervoso?
- É, na verdade estou um pouco chateado e queria conversar com algum estranho, por isso te abordei.
- Mas o que aconteceu?
- Se eu falar dos meus problemas, você jura que não vai sair correndo?
- Juro.
- Ando brigando muito com a minha familia, por coisas bobas e estou querendo trabalhar, mas tem a merda da fase de exército, essa coisa de reservista sabe? Uma coisa desnecessária na minha opinião. Eu ando pegando ônibus muito lotado, sentando ao lado de pessoas chatas e esta onda de calor em São Paulo me deixou mais suicida que nunca...é isso.
- Mas você precisa ter calma, tudo tem seu tempo.
- É. Já me falaram isso, mas esse tempo nunca chega.
- Você está ansioso?
- Sim, muito. Já até montaram o palco dos Rolling Stones e eu ainda estou aqui...sem grana!
- Mas ansiedade não é uma coisa boa. Você já orou?
- Não! eu parei com isso já faz algum tempo, não acredito mais em Deus sabe, mas se ele existir começo a suspeitar que ele é quem está me provocando.
- Credo! Não fala assim.
- Desculpa se te ofendi.
- Deus é maravilhoso!
- Ah! nisso eu discordo.
- Mas ele conheçe o seu coração.
- Pode ser!
- Ele sabe o que você quer.
- Sabe o que eu quero e manda acontecer o contrário?
- Mas você pode falar com ele até por pensamento.
- Ele lê pensamento? Ah não, to fudido, é por isso então...
- Ele te conheçe.
- Eu sei disso, é assim que ele me provoca. Você é católica?
- Não. Sou evangélica, graças a Deus.
- Ah sim, eu sempre me confundo quem é que não se depila, crente, evangélica, católica...
- E você e de qual religião?
- Se não acredito em Deus, eu sou ateu né dãããã...Mas acho que sou um tipo de ateu místico. Bato na madeira, faço o sinal da cruz, curto Iemanjá e as vezes não corto o cabelo e nem faço a barba.
- Mas nesse caso você coloca Iemanjá como Deus e Jesus Cristo não gosta disso. Ele diz que só ele é Deus.
- Um pouco megalomaníaco esse seu Jesus, você não acha? Mas eu não disse que endeuso ela, eu disse que curto, do mesmo jeito que eu curto Rolling Stones.
- Mas não há outro Deus além dele.
- Não sei. Se existem outros remédios para a dor de cabeça além da Neosaldina na farmácia onde você trabalha, podem existir outros deuses oras!
- Credo!
- Olha, eu gosto da Iemanjá, porque ela tem personalidade, entende? Jesus também tinha, mas ele é homem. Prefiro gostar de mulher.
- Mas quem curte ela, deixa Deus de lado.
- Ah sim, isso é verdade. Mas uma coisa é Iemanjá, toda de azul, bélissima, molhadinha saindo do mar. Outra coisa é Deus, alto, poderoso, nervoso, esbravejando e com cólica.
- Cólica?
- Sim, minha mãe quando está com cólica, acha que é Deus...

(Este diálogo foi inspirado em fatos reais e é dedicado ao meu amigo Mike do adaptations blog)