Wednesday, July 11, 2007

Alguns questionamentos acerca da peça "Um inimigo do povo".

Por: Viny Rodrigues

Dr. Stockmann é um médico de uma cidade provinciana, cuja maior fonte de riqueza economica são as águas usadas para banhos medicinais. Após algumas analises, Dr. Stockmann descobre que as águas estão contaminadas e que os usuários correm perigo de adoecer se continuarem banhando-se nestas águas, então o médico revela a sua descoberta para o prefeito da cidade, que é seu irmão e posteriormente a imprensa local, formada por amigos da família Stockmann também descobre a situação das águas medicinais. A única contraposição a descoberta, e ao pedido de interdição das águas por parte de Dr. Stockmann, é feita pelo prefeito da cidade que se utiliza de uma argumentação que aparentemente leva em consideração as bases economicas que sustentam a cidade, mas que na verdade, se realiza como um discurso de manutenção do poder político e do compromisso com as elites locais, estas detentoras dos direitos sob as águas.
A imprensa que a primeiramente apoiava a descoberta do Dr. Stockmann, mas por pura conveniência, pois tinha interesses políticos por trás deste apoio, tendo em vista que, grande parte dos membros do jornal eram apologistas do partido de oposição do atual prefeito; se volta contra o médico quando é feita uma aliança com o atual prefeito, onde este promete cargos públicos para os principais membros do jornal.
A partir daí é feita toda uma campanha contrária ao Dr. Stockmann, que se torna "Um inimigo do povo" e passa a ser perseguido pelos habitantes daquela cidade.
É neste campo que se dá o conflito moral e ético dos personagens, onde as contradições humanas são levadas a limites, onde há a luta de um só homem honesto detentor da verdade, contra uma sociedade corrompida, mesquinha e emburrecida pela mídia. Stockmann descobre que o homem mais forte do mundo, é aquele que esta sozinho, o que nos remete à Schopenhauer que dizia que, "quem tem de produzir o bom e o autêntico e evitar o ruim tem de desafiar o juízo das massas e de seus porta-vozes e, portanto, desprezá-los".
Óbviamente que o Dr. Stockmann está localizado na peça como "o defensor dos pobres" ou "o defensor da verdade", o que cínicamente é real. Digo cínicamente pois, devemos ressaltar que ele também é o arquétipo do sujeito burguês do século XIX. Este por sua vez, portador de uma ética individualista e que caminha a "direita" do bem coletivo, quando este significa o seu próprio bem. Stockmann seria uma espécie de Dom Quixote burguês.
Talvez nos caiba aqui alguns questionamentos, será que Stockmann realmente estava preocupado em livrar a cidade do "sepulcro envenenado" que o balneário havia se tornado? Será que ele realmente acreditava que o fechamento do estabelecimento seria o melhor para a cidade? Ou será que a posição de médico da cidade e consultor técnico da prefeitura, o colocara numa situação díficil, quando os cidadãos começassem a adoecer e descobrissem que a prefeitura da cidade tinha conhecimento da poluição das águas e mesmo assim permitiu que os banhistas continuassem utilizando o balneário? Transportando estas questões para a atualidade, podemos sintetizá-las da seguinte forma: Como o Estado pensa o bem coletivo e como os cidadãos interpretam e se opõe quando necessário, as decisões do Estado?
Outro ponto importante a ser lembrado é o papel fundamental da imprensa, na construção da verdade. Toda a manipulação midiática que transformar o quixotesco Dr. Stockmann em um inimigo do povo, nos mostra a importância destas formas de comunicação e também nos mostra que quem tem a mídia nas mãos tem o poder. Cabe aqui outra pergunta: Quem tem as mídias nas mãos hoje?
Enquanto no século XIX a informação só era possível via jornal escrito, hoje temos diversos meios de comunicação, vivemos na era da informação que por sua vez esmaga o conhecimento. É possível perceber a força midiática na sociedade moderna, quando nos deparamos com os pleitos políticos que elegem nossos "representantes", onde uma torre de babel midiática é montada e o mais importante é a propaganda, um bom político está sempre no ar, seja ja televisão, no rádio, ou na internet; está última por sua vez uma terra sem lei, já que não existe ainda legislação eleitoral específica para a utilização da internet.
Por mais que o Dr. Stockmann seja o sujeito burguês idealizado pelo não menos burguês e liberal Henrik Ibsen, ele ainda assim se opõe veementemente à verdade estabelecida de forma invertida; como diria Debord "No mundo invertido a verdade é um momento do que é falso". Ele não sucumbe nem a corrupção, e nem a pressão externa por parte de seus conterrâneos. Sem o apoio da mídia e sem poder financeiro algum ele continua lá, firme em suas convicções.
A modernidade construiu o sujeito burguês e a pós-modernidade (se é que ela existe) destruiu. Se não é mais possível encontrar a convicção de idéias dentre a burguesia pós-moderna, o que diremos então das classes menos favorecidas da sociedade que tem como prioridade a sobrevivência?
Será que alguma forma de Dr. Stockmann ainda é possível?





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