O pesadelo estético e o espetáculo do capital.
(Givago Oliveira & Viny Rodrigues)

Durante as bodas de Hans e Cleopatra, os freaks aceitam a introdução da noiva normal em seu círculo através de um ritual, fazendo passar uma taça de champanhe da qual todos têm de beber misturando suas salivas e gritando: "Uma de nós! Uma de nós!". Contudo, a noiva só lhes tem horror, e os humilha beijando Hercules e não Hans, quebrando a taça que o anão leva de pé sobre a mesa até sua boca: ela abandona a festa gritando todo o nojo que sente daquelas "aberrações". Os freaks começam, então, a suspeitar das intenções casamenteiras de Cleopatra. E quando Hans mostra sintomas de envenenamento, eles passam a vigiar as barracas de Cleopatra e de Hercules, seguindo os passos deles, descobrindo seus planos e preparando uma vingança brutal, desencadeada de maneira assustadora durante uma noite de tempestade.
Se situarmos Freaks na organização social do mundo pós-moderno, podemos interpretá-lo como uma crítica clara ao modo de produção capitalista e ao modo como as relações sociais se desenvolvem nesse espetáculo. Se no mundo capitalista, o qualitativo é substituido pelo quantitativo, e o valor de uso pelo valor de troca, e toda a mediação das relações é feita através do mercado que tudo coisifica. No filme podemos identificar o qualitativo com as aberrações humanas que apesar de suas deformidades, eram os únicos que de alguma forma se relacionavam através do que podemos chamar de "valor de uso humano" ou seja, dando importância ao valor real do outro. Os personagens normais, aqueles sem deformações físicas, seriam o nosso quantitativo, nosso "valor de troca humano", aqueles cujo o ter é mais importante do que o ser, e que a normalidade serve de máscara para a moral torpe e deturpada, são aqueles que coisificam o anão Hans e o transformam apenas em mercadoria para a acumulação de capital. Freaks é uma analogia sobre o mundo invertido que estava em constante construção desde o fim da sociedade feudal. Nada mais inteligente do que situar a história em um circo de horrores, pois o que o desenvolver do capitalismo, até os dias de hoje, nos mostra sua fase mais cruel e ao mesmo tempo sofisticada. O espetáculo no qual a lógica da mercadoria está inserida em quaisquer tipos de relações e a ecônomia se tornou algo auto-suficiente, que rege a nossa vida.
Freaks é sem dúvida um filme atual que deve ser assistido e pensado tanto do ponto de vista natural, quanto do ponto de vista histórico social.